Tuesday, November 30, 2010

Palavras

Alexandre O'Neill
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Sunday, November 14, 2010

Naquela sala...

À porta, com convicção, abeirei-me da anfitriã, da senhora que tinha preparado o magnífico pasto que se avizinhava para aquele almoço de amigos da família. Concentrei toda a minha atenção, para alimentar a conversa mais não seja escutando-a, com genuíno interesse.
Ao seu lado, uma amiga sua, de Lisboa – eu não sou de Lisboa, por isso, se há geografia em Portugal importante é o do reconhecimento imediato se se é da capital ou não deste país. Mais atenção com interacção na conversa, aproveitando o sol nas costas, até que o cigarro da segunda pessoa se esfumasse. Falou-se de um gato lindíssimo que passeava pelas escadas, as viagens que a anfitriã tinha feito.
Quando o cigarro acabou, dei um passo em frente em direcção ao cocktail. Mais um conhecido a quem cumprimento com algum à vontade, duas ou três palavras e apresentar-me a outro estrangiro próximo da minha faixa etária. Este estrangeiro encontrava-se acompanhado de dois rapazes a quem atribuí a competência da conversa e do bem receber, apercebendo-me logo que a minha presença pouco ou nada contribuiria para o clima deste grupo. O tempo suficiente para ali estar sem que a minha fuga causasse qualquer desconforto.
Antes mesmo de entrar na casa, o meu olhar, espero que discretamente, tinha feito já um “raid” à mesinha de digestivos e entradas. É agora que me dirijo até à mesa.
Cumprimento o casal mais velho. Em idade, sabedoria e experiência. Sempre me foi inculcado que as pessoas mais experientes neste ofício de viver, privilegiam o público para as suas histórias e de preferência público jovem. Para mim, faz-me todo o sentido.
Alguém questiona se eu e outro colega de convívio ali presente éramos irmãos. Pelo olhar azul claro de ambos.
Os meus olhos foram inúmeras vezes interpelados para este tipo de conversação, ou seja, nada de mais pensei eu, visto que a humanidade desde cedo deu palco aos meus órgãos visuais. Mas irmanarem-me com uma pessoa pelo olhar, já há muito tempo que não o faziam, se alguma vez tal aconteceu.
Eu sou irmã de uns olhos morenos, lindíssimos e inteligentes, cheios de vida. A minha reacção instintiva foi de repôr a verdade logo ali, acompanhado sempre de um sorriso. Ainda assim dar razao ao meu simpático interlocutor, “somos irmãos de coimbra” e coimbra como todos nós sabemos tem milhões de irmãos espalhados de norte a sul e ilhas por esse Portugal imenso.
Cheguei-me ao pé da senhora mais distante, maria da prudência. Nunca gostou do seu nome, e no Algarve chamavam-lhe de Prudinha se a memoria não me falha. Imaginei logo o fardo de viver sobre o signo da prudência acompanhada da virtude, ainda para mais mulher. Vestia de preto e eu sabia porquê. O marido levanta-se, o anfirião apresenta-me as bebidas que acompanho com gosto para ganhar espaço naquele grupo da mesa, média de idade 55-65 anos. Viagens, anedotas, visitas a itália, ouvir histórias. Rir, sorrir, dizer uma ou duas coisas a puxar pela piada – sempre achei que era pelo sentido de humor que ganhávamos espaço merecidamente – e que me perdoavam pela idade jovem ou por outro qualquer motivo puramente ambiental.
Tentei fazer com que a senhora prudência se sentisse integrada na conversa mas ela não tomava esse meu olhar de convite, de forma participativa, como que resignada pelo cansaço das suas pernas e o conforto daquela cadeira e de toda a situação, o de dar espaço ao marido.
É um ganho narcísico sempre que estou em convivios com homens maduros. Por motivos muito variados, é importante sentir-me bem acompanhada e conseguir conversar com eles. Muito mais do que com gente da minha idade, com amigos, não sinto necessidade de demonstrar dotes de argumentação. Consigo mesmo estar calada, silenciosa, observadora do que se passa dentro de mim.
Na seguinte cena, temos uma mesa “dos mais jovens”. Os meus cuidados, priorizam-se por não beber álcool por me encontrar na presença de uma pessoa em recuperação do alcoolismo, intervir pouco visto que o tema dominante seria a música e os meus colegas de mesa serem versados nessa área e mandar uma ou outra piada inteligente.
É uma mesa mais calma.
Os anfitriões vinham de vez em quando da sua mesa para a nossa e aí dar a máxima atenção.
O que levo deste almoço das 13h até às 21h da noite, é o cuidado, a atenção, a delicadeza destas pessoas.
Saber receber é uma arte, neste caso, saber receber as pessoas dentro da nossa casa e dentro de nós. E a questão que ficou no íntimo é sinceramente como retribuir o muito que nos ficou cá dentro destes momentos.
O sentimento de gratidão é diferente do sentimento de dívida. Na dívida, damos voltas à cabeça com o “tenho de ligar, tenho de oferecer um presente, tenho de mandar um postal”. É algo do género, tenho de recompensar.
Quando nos sentimos verdadeiramente gratos, é uma emoção que nos transcende, que sentimos dentro de nós um imperativo, o de devolver a outras pessoas, às próximas gerações, o que recebemos. Não é um retorno ao passado, mas um caminho para o futuro. E um calor dentro de nós, daqueles junto ao mais íntimo de nós.
p.s. os anfitriões ensinaram-me que é pelo balanço entre dois papéis que se abre as portas de uma casa; pelo low-profile, um cuidado personalizado a cada um dos convivas, sem grande show-off; e pelo contar de uma história, personalizada com pormenores deixando para o fim, uma punchline do melhor.
E tratando as pessoas logo por tu, como se fossem da casa, quando o são mesmo.

Monday, November 8, 2010

Wednesday, November 3, 2010

pãozinho de açúcar

quando acordei, a melhor coisa foi passado três horas lembrar-me que nos meus sonhos eu conseguia comer um pãozinho de açúcar.
Nunca gostei da solidão. Nem de horas em que vou estar só sem qualquer outra opção.
Soa-me a castigo, a falha.